Recentemente, em conversa com uma colega escocesa sobre como era possível fazer trekking em um frio tão intenso, ela respondeu algo que ficou comigo:
“Adaptamos o que podemos para atividades indoor, mas aprendemos que não dá para esperar a chuva e o vento passarem para sair.”
Natural do Nordeste brasileiro, onde o calor, o bom tempo e o sol são constantes, cresci achando natural adiar momentos de lazer e deixar planos de lado por conta do mau tempo. Afinal, depois de alguns dias de tempestade, o sol sempre volta a brilhar.
Refletindo sobre o que ela disse, percebi como essa ideia se aplica à vida. Há momentos em que o melhor é mesmo se recolher, buscar segurança e esperar o tempo ruim passar antes de arriscar sair. Mas, em outras ocasiões, o mau tempo persiste, o frio se prolonga e o vento não cessa. Nessas situações, é preciso mais do que paciência: é necessário coragem.
Preparar-se, proteger-se e abrigar-se são atitudes sensatas. No entanto, viver também significa enfrentar os dias cinzentos e encontrar beleza e prazer, mesmo em meio às adversidades. Afinal, muitas vezes, vai ser necessário aprender a dançar com o vento, em vez de esperar que ele pare.
Assim como nas estações do ano, na vida nem sempre podemos controlar o clima, mas podemos aprender a como vivemos com ele.
Sustentar os opostos da vida é algo que me desperta profunda curiosidade. Como é possível que tenhamos que aprender a nos tornar equilibristas, caminhando sobre uma corda bamba, entre contradições que jamais imaginamos ter que abraçar?
É a tristeza que caminha ao lado da alegria, a morte que coexiste com o nascimento; é a dor que encontra cura no bálsamo e o luto que abre portas para o novo.
Para quem sabe que a vida não é uma vitrine de Instagram, nem preto no branco, as contradições nos acompanham desde o momento em que chegamos ao mundo até o dia de nossa partida.
Há algo de belo em observar esse emaranhado que nos convida a ser e a estar no mundo, imersos em oposições, de modo que, em algum momento, essas duas dimensões se cruzam e se tocam, redefinindo nossas perspectivas.
Ou, como diz Guimarães Rosa:
"O correr da vida embrulha tudo,
a vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem"
Ulisses é um herói marcadamente migrante e o desejo de regresso a sua Ítaca é o que o move em sua aventura. Não à toa, o psiquiatra Joseba Achotegui denomina como ‘Síndrome de Ulisses’ o conjunto de sintomas vivenciados por imigrantes, também chamado de Síndrome do Imigrante com estresse crônico e múltiplo.
A Odisseia, epopeia atribuída a Homero, narra a saga do herói grego Ulisses para regressar à sua terra amada, Ítaca. Ulisses foi convocado para a guerra de Troia ainda jovem, tendo que sair para cumprir o seu destino e passar por todas as provações até o seu retorno.
A desesperança e os obstáculos que se interpõem no caminho de Ulisses, impedindo-o de voltar à sua terra amada, o levam a episódios de extrema tristeza e desespero.
Ulisses ainda é amaldiçoado a voltar como um estrangeiro a sua terra e é exatamente dessa forma que ele chega à Ítaca: disfarçado de mendigo e indigente. Essa metáfora todo imigrante conhece bem: voltar para casa como um completo desconhecido e, muitas vezes, sentir que não mais pertence a sua própria cultura. Ou mesmo, que pertence a dois mundos.
Refletindo essa semana com o post de um colega sobre duas grandes perguntas que nos norteiam: "De onde eu vim?" e "Para onde vou?", lembrei que quando eu era criança, minha brincadeira favorita era de caça ao tesouro. Amava desenhar mapas imaginários, com pistas e dicas para encontrar algum lugar ou objeto secreto.
Explorava muito o local onde eu vivia, que ainda tinha muita zona verde e os famosos descampados. Adorava construir engenhocas para capturar monstros (aka borboletas ou formigas) no caminho. Lembrança boa.
O mapa do tesouro tem uma simbologia tão bonita e tão presente no nosso imaginário. O tesouro não é acessível a todos: apenas aqueles que estão dispostos a se comprometer com a jornada e enfrentar os obstáculos e perigos são capazes de chegar até ele. A melhor parte é que a recompensa, muitas vezes, é mais valiosa do que o objeto encontrado — a conquista da identidade e a integração dos aspectos mais profundos da psique.
Morando fora do Brasil há dez anos, tive que resgatar esse mapa empoeirado muitas vezes do baú e refazer as mesmas perguntas:
De onde eu vim e para onde eu vou?
Nesses momentos, mais que um ajuste interno, alguma mudança concreta estava prestes a acontecer.
Nessa vida de imigrante e expatriado, tem hora que a gente tem que calibrar a bússola interna, ajustar as lentes de alcance e preparar a mochila para mais aventuras.
Mas o tesouro, ele é minha Ítaca.
Quem sofre, geralmente, tem pressa. É comum no espaço terapêutico e na vida, lidarmos com a pergunta:
mas e como eu supero isso?
A ansiedade de lidar com o sofrimento é compreensível; afinal, não é fácil, mesmo que por uma temporada, ter a dor como companhia.
A imagem, muitas vezes, é de querer tirar a dor do peito a todo custo. Mas devemos ter cuidado nesse processo, para não jogar fora o trigo com o joio. É preciso paciência para sair de um luto, da estagnação.
As vezes, é trabalho de formiguinha, tomar o café da manhã, respirar fundo e ensaiar um passo depois do outro para a vida que segue pulsando la fora.
Em um mundo cada vez mais acelerado, é preocupante essa necessidade de resolução imediata para tudo. A vida tem seus mistérios. Em algumas ocasiões, não nos restará saída senão dançar com a dor e aprender a dialogar com ela.
A alma necessita tempo e, por mais que nós estejamos no mundo de Krónos, às vezes, é de Kairós que ela precisa.